segunda-feira, 2 de outubro de 2000

Novas velharias

Tenho vindo a descobrir, a contar os anos pelos dedos das mãos, que estou a envelhecer, pelo menos nos meus gostos musicais. Acho que desde que os Tindersticks lançaram o "Curtains", há mais de três anos, que não me chegou nada que me enchesse os ouvidos. Qualquer dia pareço o João Lisboa, à procura do novo poeta beatnik de guitarra na mão ou dos novos vagabundos australianos exilados nos subúrbios de Londres. Mas eis que hoje, ao carregar no play, senti outra vez uns calafrios na espinha com os baixos sintetizados de uma nova banda inglesa chamada Goldfrapp (heterónimo também da sua vocalista, Allison). Ainda estou um bocado desconfiado, confesso, porque me lembro, não sem ressentimento, do meu entusiasmo desmedido com o movimento de Bristol de há uns tempos atrás (o do carimbo "trip-hop") e particularmente com aquele simulacro de big band que eram os Portishead, e que só mais tarde me dei brutalmente conta (uma amnésia vergonhosa para quem se propõe ser comentador musical) de que pouco mais eram que um bom pastiche da Shirley Bassey. Antes que me aconteça o mesmo com esta aparente pérola dos Goldfrapp, "Felt Mountain", aqui deixo aquela que me parece ser uma das melhores músicas pop dos últimos anos, com arranjos de banda sonora de soap opera (ou será "sopa opereta"?!) dos anos 70, melodias à la Ennio Morricone e falsetes em cristal quase a quebrar. Um equilíbrio instável na linha ténue que separa a genialidade da farsa e o requinte do mais puro kitch - aí talvez onde se encontra quase tudo o que vale a pena: uma "Utopia", portanto.